sábado, 31 de maio de 2014

Parto Leboyer



“Vamos deixar o bebê. E entregá-lo, por alguns momentos, à mãe, depois de ele ter provado as alegrias da solidão, da imobilidade.
Deitado sobre o peito querido, orelha contra coração, o bebê reencontra o som e o ritmo familiar.
Tudo está feito. Tudo é perfeito.
Esses dois seres que lutaram corajosamente, transformam-se num só.”

LEBOYER

Frederíck Leboyer foi um obstetra francês que mudou a sua forma de encarar a vida e a profissão durante sua viagem para a Índia. Também responsável pela divulgação da Shantala, foi o criador do parto Leboyer.  Seu método consiste em minimizar o trauma sofrido pelo recém-nascido no momento do parto, garantindo que o ambiente do nascimento seja o mais parecido possível  com o intra-uterino. 


O RECÉM-NASCIDO SENTE DOR

O médico está orgulhoso, afinal de contas o SEU parto foi um sucesso. A mãe, radiante porque acabou a espera. O pai satisfeito porque agora tem uma descendência. E aquele neném ali pendurado? O que ele parece estar sentindo? Não importa e ninguém se preocupa. É apenas um figurante no próprio nascimento.

Nos primeiros segundos o choro. Sinal de que os reflexos estão em ordem e a máquina está em perfeito funcionamento. Mas será o homem apenas uma máquina? Não estará o recém-nascido chorando porque sente dor?

Pouco se sabe sobre as sensações que temos no momento do parto. E menos ainda se procura saber. O entendimento é de que o recém-nascido não pensa porque não tem linguagem. E se não pensa, não sabe. Se não sabe, não sente. Mas por que pensamos que ele não tem linguagem? Por não conhecer as palavras? Os pássaros também as ignoram e nem por isso deixam de se comunicar. Não haverá então linguagem sem palavras? Sem dúvida.

Se alguém por descuido engole algo quente, assistimos ao mais eloquente discurso sem que seja dita uma palavra sequer. Ele agita freneticamente as mãos para dissipar o calor excessivo, vira os olhos cheios de lágrimas e faz mil caretas. Não é preciso nem esperar que o sujeito cuspa com violência. O infeliz, seja turco, chinês ou árabe, exprimiu-se perfeitamente. Ele disse: "Eu me queimei" sem que uma só palavra tenha sido pronunciada.

O recém-nascido também fala. Ele grita. Ele berra. Ele transmite a sua dor. Por que não o escutamos? O bebê tão amado e esperado. Por que não o escutamos?

CEGADO

Dizem que o bebê não enxerga quando nasce. E nem poderia, diante da profusão de luzes verdadeiramente cegantes que se acendem por ocasião do parto. Tudo, é claro, para facilitar a vida do médico.

Como se cega um touro antes da tourada?  Deixando-o dias encarcerado no escuro para soltá-lo na claridade da arena. É o que acontece com o bebê. Após 40 semanas na mais profunda escuridão, de repente, luz!  Seus olhos são queimados como foram os daqueles que estavam em Hiroshima quando explodiram os “mil sóis”.

O parto deve acontecer na penumbra com meia luz. O bebe deve ir se acostumando aos poucos à luminosidade.  Isso permite também que a mãe sinta o seu bebê antes de vê-lo. Ela pode descobri-lo tocando-o, percebendo a vida quente, palpitante e se emocionando através da carne.

ENSURDECIDO

No útero chegam ao bebê ruídos que se reproduzem no corpo da mãe, estalos de articulações, borborismos intestinais e, dando ritmo ao todo, as batidas potentes, o tambor grave do coração materno.  Ele percebe também a voz da mãe.  A voz que o marcará para sempre.  É enlaçado em sua trama, em suas modulações, em suas inflexões e em seus humores.

Mas não é só isso. A criança percebe também os sons do mundo, os sons de fora. Recebe-os, como os peixes, através das águas em que flutua: modulados e transformados por ela. Quando sobrevém o nascimento, desaparecem as águas e é levantado o véu protetor do ventre materno. Nada mais protege os seus ouvidos dos ruídos do mundo.

Alguém pensa em falar baixo em uma sala de parto? Na verdade grita-se bem mais do que se fala. Os “Vamos, força, força! Outra vez, outra vez!” são ditos em voz retumbante. O que é uma grande pena. Para receber o bebê dignamente, é necessário participar da escola do silêncio. Assim, a paz se instala e com ela se instala também o respeito com que deve ser acolhido o mensageiro que chega.  Como fazemos ao entrar em uma igreja, devemos baixar instintivamente a voz. Não há lugar mais santo do que o local onde nasce uma criança.

O CORDÃO

Cortar o cordão umbilical logo que a criança sai do ventre é um ato de grande crueldade. Conservá-lo intacto enquanto pulsa, transforma o nascimento.

A criança, antes de nascer, vivia na unidade. Ao chegar ao mundo, o recém-nascido cai no reino dos contrários onde tudo é bom ou mal, agradável ou desagradável, seco ou molhado, frio ou quente. Ele descobre esses opostos tão inseparáveis como irmãos inimigos.

E como a criança entra nesse reino? Pelos sentidos? Não. Isso vem só mais tarde. É pela respiração que ela ultrapassa uma fronteira e entra. Inspira. E dessa inspiração nasce o seu contrário, a expiração. Está lançado para toda a vida nessa interminável oscilação, o próprio princípio deste mundo onde tudo não passa de respiração, de balanço. Onde tudo eternamente nasce do seu oposto: o dia da noite, a pobreza da riqueza, a força da humildade. Sem fim, sem começo. Respirar é ficar em uníssono com a criação, é estar de acordo com o universo e sua eterna oscilação. Nos pulmões chegam o sangue que sobe das profundezas e o ar que vem de cima.

E no feto, cujos pulmões ainda não funcionam, como acontece a regeneração do sangue? É a placenta que, entre outras coisas, exerce a função de pulmão. É onde o sangue se regenera para então chegar ao feto através do cordão umbilical. E depois sair. E assim por diante. A mãe respira pelo bebê. Da mesma forma come por ele, carrega-o, abriga-o, faz tudo por ele.  A criança está, por tanto, em estado de dependência absoluta.

Ao respirar pelos próprios pulmões o bebê proclama então a sua independência: “Bebo hoje sozinho a própria vida!” É apenas o primeiro passo, é verdade. Para tudo, menos para o ar, a criança ainda depende da mãe. Mas é a direção que importa. Respirando, a criança toma o caminho da autonomia e da liberdade.

Mas o sangue abandona de modo imediato e rude o velho caminho cordão-placenta? É de repente que ele se lança como um louco nos pulmões? Depende. E é aí que está toda questão. Essa passagem pode se fazer lentamente, com doçura, ou de modo brutal, em pânico e terror.

Cianose é a falta do oxigênio, especialmente necessário ao sistema nervoso. Ela causa danos irreparáveis ao cérebro de modo que, ao nascer, a criança não deve de maneira nenhuma sofrer falta de oxigênio. É o que nos dizem os sábios. E a natureza, mais sábia que qualquer sábio, também compartilha da mesma opinião. Tanto que possibilitou à criança duas formas de oxigenação em vez de uma: pelos pulmões e pelo cordão. Dois sistemas funcionando juntos.

A criança, logo que sai da mãe, permanece a ela ligada pelo cordão que continua a pulsar vigorosamente por longos minutos. Assim, livre da cianose, a criança pode acomodar-se à respiração sem pressa. O sangue, por outro lado, tem calma para deixar seu antigo caminho e assumir progressivamente a circulação pulmonar. Em suma, durante quatro ou cinco minutos o recém-nascido permanece suspenso por dois mundos. Oxigenado por dois lados, passa de um a outro sem brutalidade. E o que foi preciso para conseguir o milagre? Paciência apenas. Para esperar e dar tempo para a criança se instalar sem fazer nada bruscamente. Mas é preciso treino para isso. Como ficar longos minutos sem fazer nada, quando tudo nos impele em sentido contrário? A distração, os automatismos, o hábito.

Para o bebê, a diferença é imensa. Se o corte é feito logo após a sua saída, o cérebro será brutalmente privado de oxigênio, acionando o sistema de alarme. Todo o organismo reage e a respiração se inicia como resposta à agressão. Chegando à vida, encontra a morte. E é para escapar dela que se lança à respiração.

Se nos abstemos de intervir e conservamos o cordão, o bebê não sente em momento algum a falta de oxigênio. Nada dispara o sistema de alarme. Nem agressão, nem cianose, nem pânico, nem angústia. Uma passagem lenta e progressiva de um estado a outro. O sangue muda de rota tranquilamente. Os pulmões não são forçados em nenhum momento. E a criança, sentindo prazer nessa experiência nova, esquece sem problema o mundo que acabou de deixar. Por que se agarrar ao passado se está tão bem em seu novo presente? Então, quando enfim o cordão cessa de bater, é cortado. Na verdade não se corta nada. É um laço morto que cai por si mesmo. A criança não foi arrancada da mãe. Uma e outra se separaram.

Quando, mais tarde, a criança der os primeiros passos, a mãe lhe oferecerá o apoio da própria firmeza. A criança, frágil ainda sobre as pernas, encontrará apoio na mão da mãe. Deixa-a, pega-a, torna a deixá-la. Até que um dia, finalmente firme sobre as próprias pernas, esquece o apoio, a mão que continua à disposição por ainda muito tempo. Existiria mãe capaz de retirar a mão quando a criança ainda não estivesse firme?

Acontece o mesmo com cordão umbilical. Por meio dele a mãe acompanha os primeiros passos do bebê no mundo da respiração. Respira ainda para ele até que esteja solidamente instalado em seu novo domínio. Cortar o cordão ao primeiro grito é o mesmo que retirar a mão aos primeiros passos.

A LENTIDÃO

Ao nascer, a criança está entre dois mundos, em uma fronteira. Não faça as coisas bruscamente. Não a empurre. Deixe-a entrar.

Ela não está mais na mãe, mas ainda respira por ela. É o instante em que o pássaro corre de asas abertas e, apoiando-se no ar, voa. Não a toquemos  com mãos grosseiras  nesse momento frágil. Deixemos que ela aja. Somos rústicos. Não entedemos nada do mistério. A criança vem do mistério. Ela sabe.

Não a perturbe. Dê-lhe tempo. O sol se levanta de repente? Não existe entre dia e noite a majestosa glória da aurora? A lentidão e gravidade do nascimento não devem ser tocadas. Esse momento miraculoso é como o fim de um sono. Estamos também entre dois mundos. Um pé se retarda e permanece no jardim dos sonhos. O outro toca a borda do leito. Até quando? Como saber? Está além do tempo. É deste jardim do além que a criança chega.

O AMOR

Ao nascer, o recém-nascido grita sufocado pela liberdade. Seria o caso de dizer a ele: "Mas afinal você é louco! Está aí nesse desespero quando deveria se alegrar! Agora você pode se estirar, se divertir, e chora!? Abra os olhos. Conheça, afinal, o seu reino e a sua felicidade!"

Mas como dizer isso àquele que não conhece as palavras? É preciso falar na sua linguagem. A linguagem anterior às palavras. Antes de Babel, da grande confusão. A linguagem do paraíso perdido. É preciso encontrar a linguagem universal. É preciso falar de amor.

Precisamos falar ao bebê na linguagem dos amantes. E o que dizem os amantes? Eles não se falam, se tocam. Fecham os olhos para serem apenas tato. Refazem a noite em torno de si. A noite dos outros sentidos. Nas trevas abraçam-se sem fazer nenhum barulho. As palavras são inúteis. Ouvem-se apenas gemidos de prazer. As mãos falam e os corpos compreendem. As respirações se misturam, explodem de alegria. É disso que o recém-nascido precisa. É assim que se fala com ele.

O bebê não é um brinquedo. O bebê não é um enfeite. É um ser que lhe é confiado. Pudesse a mulher compreender e sentir: “sou sua mãe” em vez de "é meu filho". Entre os dois há um mundo e todo o futuro da criança.

NASCER SORRINDO

E aquele bebê ali? Ele não sorri, ele está rindo. Ele ri mesmo para valer! Mas não tem muito a ver com o nosso caso. Estamos falando de recém-nascido e aquele deve ser um bebê de 6 meses. Os bebês não sorriem de jeito nenhum antes dos 2 meses. Um mês e meio, pelo menos. Quanto a gargalhar assim...
Acredite, esse bebê não chegou a completar 24 horas de vida.


Vi no livro Nascer Sorrindo.


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