Era uma vez um coração gigante e cheio de luz. Ele media 5
universos de comprimento por 3,5 de largura e brilhava mais que mil sóis de
meio-dia. Seu nome era DEUS.
Numa bela noite DEUS retirou um pontinho de luz minúsculo lá
de dentro de suas entranhas e o transformou em um coraçãozinho bem pequenininho
do tamanho de um grãozinho de areia. Chamou esse novo coração de Carocinho e
disse:
- Semente de amor, pedaço de mim... É chegada a sua hora de
conhecer a carne. Tenho uma missão para você lá embaixo. Para isso vou precisar
dividir você em duas partes iguais. Vou colocar uma dentro de um homem e a
outra dentro de uma mulher. Mas não se preocupe. Suas duas metades vão se
encontrar novamente e você vai virar um carocinho de feijão. Então habitará o
ventre da mulher por até quarenta semanas. Esse é o tempo que você terá para
decidir se quer ou não conhecer o mundo. Durante esse tempo você poderá, a
qualquer momento, pedir para voltar para mim. Basta cantarolar uma musiquinha
que diz assim: “eu quero voltar ao primeiro amor, ao primeiro amor, eu quero
voltar a Deus...”
E soprou – o em
direção à Terra.
Alguns dias depois Carocinho se percebeu em um lugar escuro
e apertado. Não sabia muito bem como tinha ido parar ali nem por que motivo. Algumas
poucas recordações lhe surgiam como flashes. Algo a respeito de uma missão. Mas
as lembranças eram tão vagas e desconexas que ele não podia ter certeza de
nada.
Começou a explorar o
espaço ao seu redor e logo descobriu que, se encostasse o ouvido em uma das
paredes da caverna onde estava, era possível escutar vozes. Uma dessas vozes
era ouvida com maior freqüência e soava de modo diferente das outras. Quando
ela falava, tudo dentro da caverna vibrava junto, e de alguma forma Carocinho
percebeu que estava dentro do ser de onde ela emanava. Passou a chamar aquela
mulher de Mãe. Às vezes Mãe cantava para ele e, quando isso acontecia, uma
frestinha bem pequena se abria no teto da caverna. Através dessa frestinha ele
podia ver um coração transbordando de amor.
Havia uma outra voz, mais grave, que Carocinho ouvia
bastante também. Desde que a escutou pela primeira vez, ele teve certeza de que
havia um pouco dele no dono daquela voz. Ele sentia como se fosse um pedaço
daquele homem a quem passou a chamar de Pai. A voz de Pai vibrava na freqüência
do amor e do cuidado e inspirava-lhe confiança.
E aquela outra voz... que vozinha engraçada! Ela vinha de
uma pessoa pequena a quem costumavam chamar de Maya. O som que brotava de Maya emanava
inocência e cumplicidade. Carocinho teve certeza de que construiria com aquele
serzinho uma relação de parceria e amizade sem igual. E quanto mais ouvia
aquela família falar, mas ansioso ficava para fazer parte dela.
Mas o Grande Coração trabalha de forma misteriosa, e
Carocinho não sabia o que estava por vir.
Um belo dia, enquanto se dirigia à parede das vozes, ele se
deparou com uma porta. Estranho. Por que não havia reparado nela antes? Teria
ela estado ali ontem? Tomado pela curiosidade, Carocinho abriu a porta e ficou
extasiado com o que viu.
Era uma floresta grande e densa. Árvores de várias espécies
e tamanhos diferentes ali estavam. Mas como toda forma de vida, a floresta não
estava pronta e acabada, mas em constante processo de transformação. Como um
ciclo perfeito e infinito. No mesmo instante em que folhas caídas secavam e
fundiam-se ao solo, pequenos raminhos brotavam das entranhas da Terra. E foi
para um desses raminhos que ele olhou com mais atenção. Era um pequeno pezinho
de feijão que parecia não estar se desenvolvendo muito bem. Enquanto os outros
cresciam e tomavam forma, ele parecia fraco e atrofiado. Nesse exato momento
uma rajada de vento invadiu a floresta e ele foi tomado por uma sensação
estranha.
Assustado sem saber muito bem com o quê, Carocinho voltou
correndo para a caverna e ali ficou remoendo dias e noites aquela visão. Por
que aquela plantinha sem força havia provocado esse efeito tão devastador na
sua alma? Por que sentia que aquilo lhe queria dizer alguma coisa? Feijão,
feijão... Onde tinha ouvido falar de feijão antes? Coração, missão, feijão,
homem, mulher. Uma avalanche de palavras lhe invadiu os pensamentos. Ele ficou
confuso, muito confuso. A confusão era tanta que ele desmaiou. E quando
acordou, já não havia tumulto em sua mente. Ele havia entendido tudo.
Entendeu que aquele pezinho de feijão que não estava conseguindo
crescer representava ele. Alguma coisa no processo de desenvolvimento de
Carocinho não estava indo bem. Em algum ponto algo importante se perdeu. Ele
poderia continuar adiante, mas precisava estar ciente de que tudo seria mais
difícil para ele no mundo pós-ventre. Carocinho então teve medo. E uma canção
soou.
Soou primeiro no silêncio de seu coração. Uma canção sem som
que lentamente ganhava volume e potência. E de repente aquela pequena semente
bradava a plenos pulmões:
“EU QUERO VOLTAR AO PRIMEIRO AMOR, AO PRIMEIRO AMOR, EU
QUERO VOLTAR A DEUS!”
Um anjo lindo invadiu a caverna nesse momento, tomou
Carocinho nos braços e o levou de volta para o Grande Coração. E lá na tenda do
Infinito onde o tempo e o espaço não existem, um pequeno pontinho de luz
chorava:
- Eu falhei, DEUS! Não consegui realizar a tarefa que Você
me confiou. Eu tive medo! Eu tive muito medo!
E foi uma voz suave que o consolou. Dela emanavam poder e
doçura com a mesma intensidade:
- Não há razão para chorar, pequeno coração. Tudo está como
deve ser. Há muitas coisas que você não consegue compreender. São insondáveis
os meus caminhos. Mas saiba que a sua missão foi cumprida com louvor. O tempo
que você esteve entre aquela família foi suficiente para provocar intensas
transformações em todos eles. Eles terão ainda que lidar com a sua perda. Esse
processo vai ser doloroso e sofrido, mas profundamente enriquecedor. Eles terão
que se unir para superá-lo e vão precisar muito de mim. Eu estarei ao lado
deles o tempo inteiro. Ao final de tudo isso eles estarão mais fortes como
família e mais perto de mim. Por ora, era essa a promessa que havia de se
cumprir ali.
E com um fôlego de amor Deus soprou aquele pontinho de luz
novamente. Mas dessa vez em direção ao céu, onde ele agora brilha noite após
noite para sempre.
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