segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Como explicar um aborto para uma criança de 4 anos

Era uma vez um coração gigante e cheio de luz. Ele media 5 universos de comprimento por 3,5 de largura e brilhava mais que mil sóis de meio-dia. Seu nome era DEUS.

Numa bela noite DEUS retirou um pontinho de luz minúsculo lá de dentro de suas entranhas e o transformou em um coraçãozinho bem pequenininho do tamanho de um grãozinho de areia. Chamou esse novo coração de Carocinho e disse:

- Semente de amor, pedaço de mim... É chegada a sua hora de conhecer a carne. Tenho uma missão para você lá embaixo. Para isso vou precisar dividir você em duas partes iguais. Vou colocar uma dentro de um homem e a outra dentro de uma mulher. Mas não se preocupe. Suas duas metades vão se encontrar novamente e você vai virar um carocinho de feijão. Então habitará o ventre da mulher por até quarenta semanas. Esse é o tempo que você terá para decidir se quer ou não conhecer o mundo. Durante esse tempo você poderá, a qualquer momento, pedir para voltar para mim. Basta cantarolar uma musiquinha que diz assim: “eu quero voltar ao primeiro amor, ao primeiro amor, eu quero voltar a Deus...”

 E soprou – o em direção à Terra.

Alguns dias depois Carocinho se percebeu em um lugar escuro e apertado. Não sabia muito bem como tinha ido parar ali nem por que motivo. Algumas poucas recordações lhe surgiam como flashes. Algo a respeito de uma missão. Mas as lembranças eram tão vagas e desconexas que ele não podia ter certeza de nada.

Começou a explorar o espaço ao seu redor e logo descobriu que, se encostasse o ouvido em uma das paredes da caverna onde estava, era possível escutar vozes. Uma dessas vozes era ouvida com maior freqüência e soava de modo diferente das outras. Quando ela falava, tudo dentro da caverna vibrava junto, e de alguma forma Carocinho percebeu que estava dentro do ser de onde ela emanava. Passou a chamar aquela mulher de Mãe. Às vezes Mãe cantava para ele e, quando isso acontecia, uma frestinha bem pequena se abria no teto da caverna. Através dessa frestinha ele podia ver um coração transbordando de amor.

Havia uma outra voz, mais grave, que Carocinho ouvia bastante também. Desde que a escutou pela primeira vez, ele teve certeza de que havia um pouco dele no dono daquela voz. Ele sentia como se fosse um pedaço daquele homem a quem passou a chamar de PaiA voz de Pai vibrava na freqüência do amor e do cuidado e inspirava-lhe confiança.

E aquela outra voz... que vozinha engraçada! Ela vinha de uma pessoa pequena a quem costumavam chamar de Maya. O som que brotava de Maya emanava inocência e cumplicidade. Carocinho teve certeza de que construiria com aquele serzinho uma relação de parceria e amizade sem igual. E quanto mais ouvia aquela família falar, mas ansioso ficava para fazer parte dela.

Mas o Grande Coração trabalha de forma misteriosa, e Carocinho não sabia o que estava por vir.

Um belo dia, enquanto se dirigia à parede das vozes, ele se deparou com uma porta. Estranho. Por que não havia reparado nela antes? Teria ela estado ali ontem? Tomado pela curiosidade, Carocinho abriu a porta e ficou extasiado com o que viu.

Era uma floresta grande e densa. Árvores de várias espécies e tamanhos diferentes ali estavam. Mas como toda forma de vida, a floresta não estava pronta e acabada, mas em constante processo de transformação. Como um ciclo perfeito e infinito. No mesmo instante em que folhas caídas secavam e fundiam-se ao solo, pequenos raminhos brotavam das entranhas da Terra. E foi para um desses raminhos que ele olhou com mais atenção. Era um pequeno pezinho de feijão que parecia não estar se desenvolvendo muito bem. Enquanto os outros cresciam e tomavam forma, ele parecia fraco e atrofiado. Nesse exato momento uma rajada de vento invadiu a floresta e ele foi tomado por uma sensação estranha.

Assustado sem saber muito bem com o quê, Carocinho voltou correndo para a caverna e ali ficou remoendo dias e noites aquela visão. Por que aquela plantinha sem força havia provocado esse efeito tão devastador na sua alma? Por que sentia que aquilo lhe queria dizer alguma coisa? Feijão, feijão... Onde tinha ouvido falar de feijão antes? Coração, missão, feijão, homem, mulher. Uma avalanche de palavras lhe invadiu os pensamentos. Ele ficou confuso, muito confuso. A confusão era tanta que ele desmaiou. E quando acordou, já não havia tumulto em sua mente. Ele havia entendido tudo.

Entendeu que aquele pezinho de feijão que não estava conseguindo crescer representava ele. Alguma coisa no processo de desenvolvimento de Carocinho não estava indo bem. Em algum ponto algo importante se perdeu. Ele poderia continuar adiante, mas precisava estar ciente de que tudo seria mais difícil para ele no mundo pós-ventre. Carocinho então teve medo. E uma canção soou.

Soou primeiro no silêncio de seu coração. Uma canção sem som que lentamente ganhava volume e potência. E de repente aquela pequena semente bradava a plenos pulmões:

“EU QUERO VOLTAR AO PRIMEIRO AMOR, AO PRIMEIRO AMOR, EU QUERO VOLTAR A DEUS!”

Um anjo lindo invadiu a caverna nesse momento, tomou Carocinho nos braços e o levou de volta para o Grande Coração. E lá na tenda do Infinito onde o tempo e o espaço não existem, um pequeno pontinho de luz chorava:

- Eu falhei, DEUS! Não consegui realizar a tarefa que Você me confiou. Eu tive medo! Eu tive muito medo!

E foi uma voz suave que o consolou. Dela emanavam poder e doçura com a mesma intensidade:

- Não há razão para chorar, pequeno coração. Tudo está como deve ser. Há muitas coisas que você não consegue compreender. São insondáveis os meus caminhos. Mas saiba que a sua missão foi cumprida com louvor. O tempo que você esteve entre aquela família foi suficiente para provocar intensas transformações em todos eles. Eles terão ainda que lidar com a sua perda. Esse processo vai ser doloroso e sofrido, mas profundamente enriquecedor. Eles terão que se unir para superá-lo e vão precisar muito de mim. Eu estarei ao lado deles o tempo inteiro. Ao final de tudo isso eles estarão mais fortes como família e mais perto de mim. Por ora, era essa a promessa que havia de se cumprir ali.


E com um fôlego de amor Deus soprou aquele pontinho de luz novamente. Mas dessa vez em direção ao céu, onde ele agora brilha noite após noite para sempre.