sábado, 20 de junho de 2015

Excesso de organização pode ser prejudicial ao desenvolvimento do seu filho

Pensa numa casa bagunçada

"Boas mães têm chãos pegajosos, cozinhas bagunçadas, pilhas de roupa, fogões sujos e crianças felizes!"

E baratas brincando de esconde-esconde - completariam algumas mães. E talvez tenham razão. Sou obrigada a concordar que a parte do chão pegajoso traz à mente um cenário um tanto quanto porco. Ainda assim, eu gosto muito dessa frase. Ela me traz a ideia da possibilidade de movimento na educação da cria. Vou explicar melhor, mas antes vamos ver um pouco do que nos disse o renomado psiquiatra José Ângelo Gaiarsa antes de nos deixar:




Antes, muito antes de sonhar em ficar grávida, ouvi uma colega do local onde eu estagiava se gabar de nunca ter precisado alterar um único milímetro da sua casa por causa dos seus filhos. Ela dizia ter em sua sala uma mesa de centro com centenas de bibelozinhos de vários lugares do mundo e que nunca havia sequer cogitado tirar qualquer deles dali. A cria foi militarmente adestrada desde cedo para não chegar nem perto daquele lugar sagrado. E conforme ela foi contando, fui percebendo que na verdade TODOS os lugares de sua casa eram sagrados e intocáveis para as crianças. Ela dizia, com aquele ar de orgulho, que uma visita poderia chegar de surpresa a qualquer instante que a sua casa estaria organizada de forma impecável sem uma almofada fora do lugar. E eu, que por ser a única não-mãe do setor me mantinha até então alheia à conversa, não pude deixar de perguntar: "o que os seus filhos fazem então?"

Foi uma pergunta inocente e espontânea. É que eu lembro da minha infância, eu e meu irmão pulando de um sofá pro outro. O sofá não era um sofá. Era o pedacinho de terra que nos mantinha a salvo da larva. Sim, a larva. O chão era fogo. Se caíssemos, morreríamos. E as bugigangazinhas da mesa de centro? Eram personagens fantásticos para as nossas histórias. Lembro até hoje de uns pintinhos que a minha vó tinha em vários tamanhos diferentes. Alimentaram tanto a minha imaginação, como poderia me esquecer? Essas coisas que não eram "de brincar" eram sempre mais atrativas e estimulantes do que os próprios brinquedos, já que não vinham com uma função pré-determinada de como brincaríamos com elas.

Em contrapartida, eu lembro de uma prima distante que a gente tinha. De vez em quando nos encontrávamos nos eventos de família, mas ela nunca queria brincar com a gente. Ela passava o tempo inteirinho sentadinha como uma lady. Enquanto eu, meu irmão e as outras crianças chegávamos ao final da festa como verdadeiros trapinhos humanos, ela ia para casa com todos os fios de cabelo no mesmo lugar. Não posso dizer que ela tenha sido uma criança infeliz, mas era essa a impressão que eu, como criança, tinha na época. Também não posso dizer que a culpa tenha sido dos pais. Lembro vagamente da mãe dela. Era bem nervosa, e eu tinha um pouco de medo dela. Mas isso não quer dizer nada. Talvez a menina simplesmente fosse daquele jeito mesmo, talvez gostasse de ficar mais quietinha. Se for assim, tudo bem. Mas e quando não é? E quando a criança tem a sua capacidade de se movimentar restringida em nome da disciplina? Será que isso é bom?

Diversos estudos tem mostrado ao longo do tempo a importância do corpo no processo de aprendizagem. Movimentar-se significa explorar o mundo por meio do corpo desenvolvendo também a capacidade mental. Subir em coisas, manipular objetos com as mãos, rolar em tapetes, arremessar almofadas, tudo isso é importante para o desenvolvimento infantil. A bagunça e o barulho fazem parte do processo de busca pelo sentido da vida. Confesso que para mim é mais fácil deixar que a psicomotricidade ocorra na sala da minha casa. Sendo uma pessoa aérea e desastrada, já perdi e destruí tantas coisas que acabei desenvolvendo um certo desapego em relação a elas. Não tenho aquele amor incondicional pelo meu sofá. Também não tenho enfeites pequenos na sala porque sei que nem precisaria da Maya para dar fim neles: eu mesma poderia estragá-los ou fazê-los desaparecer a qualquer momento.

Procuro manter a casa organizada na medida do possível sim, mas não o tempo inteiro. Se estivermos brincando de alguma coisa, a prioridade é a brincadeira. A bagunça gerada por ela será arrumada depois e com a ajuda de todos que dela participaram. A gente pode, por exemplo, construir brinquedos como o Farofinha e limpar a sujeira da farinha de trigo depois, quando já tivermos rido e nos divertido o bastante com ele. Podemos tirar os móveis do lugar para brincar de pega-pega sem problemas. Mas isso é na MINHA casa. E estou ciente de que a minha casa não é a única que a Maya vai frequentar ao longo de sua vida. E aí está o problema. Aí que entra o meu dilema: devo criar a minha filha livre para desenvolver ao máximo o indivíduo que ela veio ser no mundo ou educá-la para ser aceita socialmente?

Educar filhos envolve também capacitá-los ao convívio social. E socializar é de certa forma matar um pouquinho de nós domando e adestrando os nossos instintos naturais. E aí a gente entra nesse paradoxo em que o convívio com o outro faz morrer uma parte da gente, mas ao mesmo tempo nos permite desenvolver outras partes que nunca conheceríamos sozinhos. Tenho consciência de que a minha cria pode sofrer um dia se, por não se encaixar nos padrões, se sentir rejeitada. Mas ao mesmo tempo não quero que ela deixe de ser quem é. E acho que o caminho para isso é o amor. Se ensinamos aos nossos filhos a amar as pessoas mais do que as coisas, talvez seja mais fácil transmitir-lhes algumas regras sociais. Talvez eles se submetam a elas, não apenas para se sentirem aceitos, mas porque procuram realmente o bem da coletividade. Talvez eu não consiga evitar que a Maya suba no sofá da mãe do amiguinho usando o argumento de que ele é caro. Afinal de contas, na cabecinha dela, dinheiro é um pedaço de papel - e ela está certa! Mas posso tentar explicar que as pessoas são diferentes e, enquanto eu não dou tanta importância a essas coisas, a mãe do amiguinho pode dar. Talvez ela não suba se achar que vai deixá-la triste. Talvez. Talvez assim ela se transforme numa "selvagenzinha do bem" que ESCOLHE, por vontade PRÓPRIA, sacrificar um pouco dela pelo bem do outro. Talvez. Eu não tenho como saber. Mas é só mais um dos riscos que terei que assumir.