sexta-feira, 30 de maio de 2014

Psicomotricidade Infantil

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O seu filho pratica alguma atividade física na escola? Que importância você acha que isso tem para o seu desenvolvimento? Você acreditaria se eu dissesse que, embora a Educação Física seja componente curricular obrigatório da educação básica, há ainda certa subestimação do corpo no processo de aprendizagem?
Homem primitivoA atividade física faz parte do plano pedagógico de praticamente todas as escolas brasileiras, é verdade. Mas na maioria delas é realizada apenas com o objetivo – não menos nobre – de divertir a criança ou gastar-lhe a bateria, não se estabelecendo relação direta entre movimento corporal e desenvolvimento mental. Se, entretanto, analisarmos a evolução de nossa espécie, veremos que o desenvolvimento motor está tão interligado ao desenvolvimento cerebral que é praticamente impossível determinar qual deles teria precedido o outro na história humana.

Baseada na ideia de que o pensamento e a ação motora são indissociáveis, a Psicomotricidade é a ciência da educação que realiza o enfoque integral do desenvolvimento nos aspectos físico, psíquico e intelectual, de maneira a estimular harmoniosamente o casamento dessas três áreas. Surgiu no século XIX como prática terapêutica para crianças com distúrbios psicomotores e desde então tem sido objeto de estudo das mais diversas áreas do conhecimento. Ela segue duas linhas de pensamento:

- A Psicomotricidade Funcional trabalha com uma metodologia diretiva e mensura a capacidade motora. Parece a aula de Educação Física que o seu filho tem na escola. O professor planeja os movimentos a serem realizados pelas crianças como subir, descer, pular, correr e os apresenta durante a sessão corrigindo a sua execução. Para isso ele vai levar em conta critérios como postura, precisão, velocidade, entre outros.

- Na Psicomotricidade Relacional, ao contrário, os alunos realizam múltiplas atividades isentas de julgamento: se está certo ou errado, bonito ou feio. Segundo o professor Aírton Negrine da Silva, esse método não diretivo permite que se façam interpretações significativas da exploração que a criança faz dos espaços organizados. O grande diferencial dessa vertente é a utilização do jogo como elemento pedagógico. Ela se aproveita daquilo que o seu filho sabe fazer melhor do que você: brincar. De acordo com o pedagogo Bernard Acouturier, um de seus criadores, a sessão de Psicomotricidade Relacional deve acontecer em ambientes fechados com materiais fixos (escadas, barras de equilíbrio, tatames) e complementares (blocos de espuma, aros, bola grande, cordas, bichos de pelúcia, fantasias) . Ainda segundo, Acouturier, sua realização deve dividir-se nas seguintes etapas:
  •  DSC_0132_fullRitual de Entrada:  crianças e professor se apresentam e estabelecem as combinações relacionadas  àquela sessão.
  • Atividades livres de expressão, construção e comunicação: jogos de segurança profunda, jogos de prazer sensório-motor, jogos simbólicos, narração de histórias, e atividades de representação.
  • Ritual de Saída: após guardar todos os brinquedos, como havia sido combinado no momento inicial, as crianças sentam-se em círculos, sendo estimuladas a verbalizar sobre o que acharam da sessão.

FATORES PSICOMOTORES

Como falei acima, a atividade motora é indissociável da atividade cerebral. Cada um dos fatores psicomotores é regulado por uma área específica do cérebro de forma que ao aprimorarmos essas habilidades desenvolvemos a região cerebral a que se relacionam. Abaixo trago alguns desses fatores psicomotores, a região do cérebro que os regula e exemplos de atividades que podem ser feitas para estimulá-los.
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EQUILIBRAÇÃO
EQUILIBRAÇÃO: Função do cerebelo auxiliado pelo sistema vestibular; segurança e insegurança gravitacional, conjunto de aptidões estáticas e dinâmicas, abrangendo controle postural e desenvolvimento de capacidade de locomoção. Atividades: brincar de estátua, marchar nos calcanhares, se manter em uma perna só.
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NOÇÃO DE CORPO
NOÇÃO DE CORPO: Lobo parietal; desenvolvimento da noção ou esquema corporal por meio do qual a criança toma consciência do seu próprio corpo e da possibilidade de expressar-se  por seu intermédio. Atividades: localizar partes do corpo próprias ou de outra pessoa, rolar no chão, deitar sobre bola de pilates.
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ESTRUTURAÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL
ESTRUTURAÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL: Região occipital, lobo temporal, e lobo parietal; construção da estruturação do tempo e do espaço em relação ao corpo; ocorre com a lateralização e noção do corpo, já que é necessário adquirir primeiro noção interna para se situar no meio externo. Atividades: andar devagar até o fim da sala, voltar correndo a mesma distância,  fazer a criança perceber a diferença de tempo entre bater a bola e pular corda, subir em coisas, bater palmas dentro de um espaço de tempo.
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PRAXIA AMPLA
PRAXIA AMPLA: Lobo frontal e pré frontal; capacidade de realizar movimentação voluntária preestabelecida como forma de alcançar um objetivo. Atividades: jogar ou chutar bolas, marchar rapidamente dentro de pneus em zig-zag, dissociação de membros inferiores de inferiores, polichinelos.
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PRAXIA FINA
PRAXIA FINA: Lobo frontal e pré frontal; compreende todas as atividades motoras finas, em que há coordenação olho/mão.  Atividades: montar pequeno objeto de encaixe, recortar, colar, passar linha em buracos pequenos, desenhar.

CURRÍCULO EM MOVIMENTO:

Ao longo de seus estudos, o francês Jean Le Boulch percebeu que há três grandes causas para os problemas na aquisição da leitura e escrita: o déficits da função simbólica, os atrasos e  defeitos de linguagem e os problemas essencialmente psicomotores. Todos esses problemas resultavam de debilidades da criança devido à "queima de estágios" ou desvios de etapas do desenvolvimento psicomotor, quando não havia no diagnóstico alguma disfunção neurológica comprometedora das funções ditas "normais" de um indivíduo saudável.

Método desenvolvido pela professora Maria Liana Rosa Pinto, o Currículo em Movimento consiste na educação psicocinética aplicada ao currículo escolar: a educação pelo movimento. Foi criado como objetivo de possibilitar às crianças em fase de alfabetização maiores recursos pedagógicos. Mediante vivências psicomotoras, elas interagem com objetos e jogos, com seu próprio corpo e com o meio, brincando e conhecendo o universo simbólico das letras, seus sons fonéticos,  seu grafismo e conexões possíveis entre elas.

Achei esse método muito interessante. Listo abaixo alguns dos possíveis jogos e atividades utilizados por ele:

Toque-sem-Fio:  Forma-se uma fila, e a última criança desenha uma letra ou número nas costas do colega à sua frente. Esse, por sua vez, desenha na próxima criança o símbolo que julga ter sido "massageado" nas suas costas, e assim por diante até chegar ao primeiro da fila, que deverá desenhá-lo em um papel mostrando-o ao grupo.

Ginástica do Alfabeto: A criança utiliza diferentes segmentos corporais para desenhar o alfabeto. Exemplo: desenhar um grande maiúsculo com o dedo indicador da mão direita, iniciando do chão à frente do pé esquerdo, em que o vértice do A deve ser desenhado bem a cima da cabeça, descendo imediatamente em direção ao pé direito. A atividade pode ser realizada ao som da letra A ou de alguma coisa que comece com ela como AVIÃO.

Correr para Sílabas: Desenham-se no chão várias sílabas em tamanho gigante. Conforme o orientador vai falando as palavras , as crianças correm para as sílabas formando as palavras ouvidas.

Jogo da Velha Cooperativo: Desenha- se com um giz um jogo da velha gigante no chão.  Divididas em grupo, as crianças serão as peças do jogo, ganhando a equipe que colocar três participantes em linha vertical, horizontal ou diagonal.

Cantiga de Roda da Soma: Formam-se duas rodas com o mesmo número de crianças, uma dentro e outra fora. Todas de mãos dadas devem recitar os seguintes versos: "Roda dentro, roda fora, qual a soma que é agora?" Uma das rodas caminha para a direita, e a outra para a esquerda. Quando todos pronunciarem a frase "qual a soma que é agora?", os alunos deverão se posicionar de frente para o colega da outra roda. Lançam os dedos para a frente e dizem rapidamente a soma. A cantiga recomeça.

 Dominó de Gente: Cada criança recebe um cartão retangular previamente elaborado, em que no lado esquerdo estará uma operação matemática de soma ou subtração, e no lado direito um número resultado de outra operação. Elas deverão montar o dominó procurando as operações e os resultados correspondentes e, achando, deverão entrelaçar os braços. O objetivo final é que se forme uma roda com as crianças abraçadas.

Quem senta primeiro? Coloca-se uma cadeira no centro da sala e dividem-se as criança em dois grupos iguais em que cada uma receberá um número na sequência. Exemplo: se são 10 crianças, formam-se dois grupos de 5 em que cada um receberá um número de 1 a 5, de forma que para cada número haverá dois competidores. O orientador lança então uma operação matemática, e as duas crianças que estiverem com o número-resultado deverão correr em direção à cadeira, ganhando aquele que sentar primeiro.

Escravos de Jó: todos formam um grande círculo e desenha-se em volta de cada criança uma pequena circunferência. A atividade consiste em cantar a antiga cantiga Escravos de Jó, marcando as sílabas tônicas: "EsCRAvos de JÓ joGAvam caxamBÓ. TIra, BOta. DEIxa o ZÉ PeREIra enTRAR. GuerREIros com gurREIros faZEM ZIG-ZIG-ZÁ" O objetivo é ir pulando para o círculo à sua direita conforme o compasso da música. Quando chegar na parte que diz: "tira" deverão pular para fora do círculo, retornando para dentro dele na palavra seguinte: "bota". E ao chegar no ZIG-ZIG-ZÁ, o primeiro ZIG será para a direita, o segundo para a esquerda, e o ZÁ para a direita.


DÁ PARA FAZER EM CASA?

Não será fácil – e menos ainda barato – montar uma sala particular de psicomotricidade para a sua cria. E a menos que a sua prole seja realmente numerosa, você encontrará dificuldade em realizar exercícios que necessitam ser praticados em grupo. Além disso, na sessão profissional há o convívio com o outro, o que possibilita à criança desenvolver também por meio do seu próprio corpo as suas habilidades de socialização e interação. Não me parece viável substituí-la completamente por uma versão caseira. Mas isso não impede que, conhecendo os exercícios e os fatores psicomotores a que se relacionam, você os aplique no seu filho de forma complementar, fazendo as adaptações necessárias à sua realidade. Para isso, entretanto, é imprescindível uma noção acerca do desenvolvimento infantil, suas etapas e características de cada uma delas.

MINHA HUMILDE OPINIÃO

Acho realmente incrível essa possibilidade de utilizar o corpo para descobrir o mundo. Dessa forma creio que nossos filhos podem viver intensamente o conhecimento que vão adquirindo. Devolvendo ao corpo o seu papel no processo de aprendizagem, permitimos que as crianças se desenvolvam integralmente à medida em que exploram o tempo e o espaço.

Faço, porém, uma única ressalva em relação à Psicomotricidade: é quanto ao risco de exagerarmos nesses estímulos. Essa nossa era tecnológica parece gritar a todo instante nos nossos ouvidos a necessidade de sermos super. E aí a gente vai querendo criar super filhos também. Queremos que os nossos pequenos sejam os melhores, os mais inteligentes, os mais fortes, o mais ágeis. Veneramos a precocidade porque queremos que a nossa cria se desenvolva mais rápido que as crias alheias. Nem pensamos no que se pode perder do processo quanto o aceleramos. Esse é o meu receio. Acho que a Psicomotricidade não deve ser feita com o objetivo de acelerar o desenvolvimento da criança, mas de expandi-lo e ampliar os seus horizontes ao permitir que aconteça de forma integral.

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