domingo, 23 de novembro de 2014

Instinto Materno


Se instinto materno é aquele responsável por garantir apenas a integridade física da cria, eu definitivamente não fui agraciada com ele. Não vim com aquele aplicativo que calcula em frações de segundo todos os possíveis acidentes envolvendo os filhos, nem com aquele olhar biônico que detecta a quilômetros de distância quinas de mesa, tomadas destampadas, objetos perfurantes e outras coisas nocivas à sua saúde.

Nunca esterilizei as mamadeiras da Maya, já a deixei cair da cama e sim, já  queimei de leve sua linguinha por não verificar antes a temperatura da comida. Também já perdi a conta de quantos caldos ela já tomou no mar. Se ela achar que consegue subir sozinha num brinquedo relativamente grande para sua idade, eu acredito. Se ela pegar no sono numa pedra, penso que se ela conseguiu dormir é porque deve estar confortável.  E ponto.

Você deve estar agora pensando em chamar o Conselho Tutelar. Por favor, não faça isso. Garanto que a minha filha não sofre maus-tratos. Primeiro porque ela foi presenteada com um paizão que – devo admitir envergonhada – é o lado prudente e cuidadoso da família. E além disso,  ao contrário do que possa parecer, sou sim uma mãe carinhosa e atenciosa. Quem convive o mínimo comigo sabe o quanto eu sou apaixonada por aquela menina e o quanto zelo pelo seu bem-estar. Talvez apenas tenha uma ideia um pouco diferente sobre o que signifique bem-estar.

Procuro fazer com que a Maya tenha bons hábitos alimentares e não desperdice comida. Quero ensiná-la a ser grata pelo que tem e a viver de forma simples, consciente de que não precisa de tudo aquilo que a televisão vai dizer que ela precisa. Quero que aprenda também a lidar com as quedas e frustrações do caminho e compreenda que, embora eu não possa evitar que ela conheça a dor, posso garantir que estarei ao seu lado incondicionalmente em qualquer circunstância. Quero ensiná-la a amar e a gostar mais de compartilhar do que de receber. E, principalmente, quero que seja livre.

Uma vez a minha tia disse a uma casal de amigos seus: “A Cell cria a Maya para a guerra”. Não é bem essa a intenção, mas acaba sendo esse o resultado.  Para uma menininha de 3 anos, acho que ela é bem adaptável. Uma criança sem muita frescura, daquelas que cai e levanta rindo e dorme em qualquer lugar. Sinceramente, acho que se precisar ela come pedra sem reclamar, o que, do ponto de vista evolutivo, é uma característica fundamental para garantir-lhe a sobrevivência no habitát onde foi inserida: uma família de pais jovens, sem grana, que amam praticar esportes e se enfiar no meio do mato. Nisso também consiste a educação: não apenas nos pais se adaptarem à rotina de ter uma criança em casa, mas também na adaptação da criança ao ritmo da família de que veio fazer parte.

Você provavelmente acha que essa é uma tentativa de justificar as minhas falhas e aliviar um pouco a culpa que devo sentir. Mas não é. Também não é a intenção deste post dizer que esse é o jeito certo de criar menino, mas apenas mostrar que talvez seja a forma mais adequada à MINHA filha. Quero trazer uma luz àquelas mães que, como eu, sentem-se meio perdidas em meio ao turbilhão de informações que acompanham a maternidade. Pesquisas novas surgem a cada instante invalidando as anteriores e são tantas as teorias sobre desenvolvimento infantil quantos são os profissionais especializados no assunto: pedagogos, psicólogos, nutricionistas, pediatras, vizinhos, estranhos na rua, cada um tem a sua tese. Nunca haverá tempo hábil para testar todas elas.

Isso não significa que você não deva se informar. Ao contrário, deve procurar o máximo de informação possível e buscar sempre que preciso a orientação de alguém que estudou sobre o tema. Mas tenha sempre em mente que embora existam certos padrões de comportamento, não há dois seres humanos iguais, e o que funciona para um pode não funcionar tão bem para outro. O armazenamento de conteúdo é útil, sim! Mas não é como um banco de dados que a gente acessa de forma automática por meio de palavras-chave. As informações devem ser usadas de forma espontânea e apenas como base para construirmos a nossa própria forma de maternar, para estabelecermos com a cria uma relação única, baseada no respeito, no amor, no cuidado e principalmente na verdade. A verdade que se permite mudar conforme mudam as relações e conforme vão sendo descobertas nessas mudanças outras verdades; a verdade que está mais no presente do que no passado ou no futuro; a verdade que é capaz de escutar e sentir as necessidades do outro naquele instante que se chama agora; a verdade que sabe acima de tudo que não existem verdades absolutas.

Não existem mesmo. Principalmente quando falamos sobre filhos. Você terá que fazer escolhas. VOCÊ precisará decidir entre as opções do caldeirão quais delas se aplicam melhor ao SEU filho. E precisará ter coragem para decidir fazer diferente quando perceber que não é bem por aquele caminho que deve seguir ou que ele já não serve mais. E precisará também de sensibilidade para saber o momento de se deixar guiar pela cria, afinal de contas esse é um caminho que vocês devem seguir juntos. Uma estrada de mão dupla que não se traduz em uma relação onde a pessoa que sabe mais ensina à pessoa que sabe menos, mas que consiste em uma troca constante em que ambos transmitem e recebem. 

É aí que entra o que eu chamo de instinto materno verdadeiro. É aquela magiazinha misteriosa de Deus que a ciência chama de genética: continuamos vivendo nos nossos filhos e nossos filhos carregam um pouco de nós. Tem um pouco de você naquele ser, e é esse pedacinho seu que vai ajudá-la a fazer as melhores escolhas. Acredite em você, porque afinal de contas foi pra você que ele veio. Entre bilhões de famílias foi justamente à sua que Deus (ou o Universo, ou a Energia ou o que quer que acredite) o enviou. Por mais perfeita que uma teoria pareça aos olhos das outras pessoas não a aplique se ela for contrária à sua essência. É como uma vozinha abafada que surge de vez em quando. A gente precisa se treinar para escutá-la. Feche os olhos, respire, fareje,  siga o seu instinto. 

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Projeto de Lei quer aumentar tempo de licença-maternidade para um ano


 

A Comissão Especial da Primeira Infância discutiu nesta quarta-feira (19/11), pela primeira vez, emendas para o Projeto de Lei 6.998/2013, que pretende ser o marco legal da primeira infância. Um dos pontos polêmicos do dispositivo é o aumento do tempo de licença-maternidade para um ano e de licença-paternidade para um mês.

Para o autor do projeto, deputado Osmar Terra (PMDB-RS), este é um ponto importante, mas que ainda está sendo discutido pelos membros da comissão. “Não será um gasto a mais para as empresas, é um investimento que vai prevenir muitos problemas futuros, não só para a família, mas para a sociedade toda”, explicou.

O projeto foca em um conjunto de ações para o inicio da vida, como ampliar a qualidade do atendimento para crianças até 6 anos, com carreira, capacitação e, inclusive, com a criação de novas funções publicas, que cuidem do início da vida, de modo a valorizar o papel da mãe e do pai junto à criança, bem como criar espaços públicos para garantir que as crianças tenham locais adequados para se desenvolver.

Além disso, o projeto prevê a criação de um sistema de avaliação do desenvolvimento da criança, para verificar se o modelo de cuidado está adequado ou precisa ser alterado.


Segundo Terra, a primeira infância começou a ser intensamente pesquisada há cerca de 20 anos. É na primeira infância, segundo ele, que a criança desenvolve as estruturas sociais, afetivas e cognitivas, e por isso a atenção deve ser maior para assegurar condições de desenvolvimento saudável.

Vi aqui.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Super Mãe - É disso que os nossos filhos precisam?


Confesso: de super eu não tenho nada. Além de também ter amamentado a minha filha, a outra única semelhança entre eu e a Mamãe-Mulher-Maravilha da foto é o fato de vivermos mais no céu do que na terra. Sou libriana com ascendente em aquário e, embora esteja longe de me considerar uma pessoa esotérica, não posso negar que essa combinação de ar reflete bem a minha personalidade. Sou um ser humano aéreo. Vivo no meu próprio universo paralelo, que não sei onde fica nem de que forma me transporto para lá. É de repente, como que num passe de mágica, misteriosamente me percebo nessa outra dimensão. E quem convive com alguém assim – meu namorado que o diga! – sabe o transtorno constante que isso representa.

Quando a Maya nasceu a situação piorou um pouco. Triplicaram as minhas ocorrências de extravios, esquecimentos e pequenos desastres. Quando saíamos de casa toda a minha atenção se concentrava nela: não perca o bebê, não deixe o bebê cair, não esqueça a fralda do bebê. Eram tantas coisas para lembrar e já era difícil de mais para mim mantê-la segura. Deus sabe o esforço sobre-humano que eu fazia para não deixar que nada de ruim acontecesse. Fazendo uma retrospectiva, sinceramente não sei dizer como conseguimos chegar até aqui sem maiores problemas. Na verdade, sei sim. É porque o pai que a gente tem lá no céu é também uma mãe e graças a Ele, sobreviemos ao meu estado de transe permanente. Hoje as coisas melhoraram um pouquinho, mas ainda não posso dizer que sou a mais zelosa das mães. Um sapatinho perdido aqui, uma roupinha manchada ali, um brinquedinho que se quebra...

Vejo claramente que a Maya veio para, entre tantas outras coisas, me trazer um pouco para esse mundo. Sei que preciso mudar por ela. Preciso ensiná-la a fazer as coisas com atenção, a honrar compromissos e não deixar as pessoas esperando; a manter suas coisas minimamente organizadas e cuidar para que não se percam ou estraguem. Mas embora saiba que a melhor forma de ensinar é através do exemplo, entendo também que essa transformação não acontece de forma automática em mim. Não é como um botão que eu aperto para eliminar esse e tantos outros defeitos que tenho. É, ao contrário, um processo lento e constante. Se nunca fui uma pessoa perfeita, como poderia pretender ser uma mãe perfeita? E será que é disso mesmo que a minha filha precisa? Será que, em vez de procurar ser uma Super Mãe, não seria melhor me permitir ser humana diante daquela que mais me ensina sobre mim?

Filhos são dádivas de Deus. Eles representam sim a oportunidade de melhoramos como pessoa. Mas não acho que essa evolução deva decorrer de uma busca consciente pelo pedestal, da vontade de nos colocarmos na condição de perfeição em relação a eles. É na intensidade do encontro que crescemos. E essa intensidade só pode acontecer se nos permitimos trocar, se nos permitimos ensinar e aprender, se nos mostramos verdadeiros àqueles que mais amamos. Não quero que a Maya me idolatre, quero que me ame como eu sou, e que me ensine a ser melhor para ela. E da mesma forma que não me exijo ser a Super Mãe, não cobro dela que seja a Super Filha. Procuro não criar expectativas em relação a quem ela vai ser. Ela tem o caminho dela a seguir. Agradeço a oportunidade de fazer parte dele e por ela ter vindo me ajudar a trilhar o meu. Só me resta ser verdadeira nesse encontro, para que possamos caminhar juntas pelos bosques da vida.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Menina de três anos viaja o mundo de bike com os pais e já fala cinco idiomas

O matemático alemão Christian Riedke e sua mulher, a turismóloga espanhola Olga Avila Martorell, passaram seis dos últimos nove anos na estrada, ao longo de duas grandes viagens em cima de bicicletas.
"Pedalar é um jeito de conhecer de perto os lugares que visitamos", dizem Christian e Olga, que já passaram ao todo por 40 países, em todos os continentes.
Entre as duas viagens, nasceu Naila, a filha do casal, que aos três anos, passou a maior parte de sua vida na estrada e já é capaz de conversar em cinco idiomas diferentes.
Ela fala o espanhol e o catalão maternos, o alemão paterno, além de um significativo repertório da língua portuguesa.
"Às vezes ela pede que conversemos em inglês, que é o idioma que usamos com a maioria dos viajantes que encontramos. Outro dia, ensaiou algumas expressões em tailandês. Como não entendemos nada, ela não insistiu", diz o pai.
A última descoberta da pequena nômade é a de que a variedade de expressões que aprendeu integra idiomas diferentes, e que nem todos compreendem todos os conjuntos lexicais que ela aos poucos domina.
"Ela ainda mistura bastante, mas já está começando a diferenciar as línguas", observa Christian.
Mas como é viajar com uma criança de três anos? "Antes arriscávamos mais. Hoje maneiramos um pouco". O casal procura passar apenas algumas horas do dia pedalando, para que a filha não se canse.
"Não é qualquer criança que toparia; Naila é tranquila e paciente", comenta Olga. "Ainda assim, não podemos passar horas contemplando uma paisagem. Naila não se interessa por paisagens."


Relatos de viagem

Naila (foto: Tiago Novaes / BBC Brasil)
Para os pais, viagem é a melhor educação possível para Naila
Carregados de roupas, fogareiro, sacos de dormir e uma tenda, o casal atravessou a África de norte a sul, pernoitando nas savanas e povoados e banhando-se nos riachos que cortavam a paisagem.
Na América do Sul, visitaram quase todos os países, incluindo as pouco conhecidas Guianas e o Suriname. Na Bolívia, acamparam no maior deserto de sal do mundo, as Salinas Uyuni, dentre uma infinidade de outras paisagens.
Depois de cruzarem alguns países europeus, voltaram para a América do Sul, regressando à Argentina, Bolívia, Paraguai e Brasil, cruzaram o Pantanal e parte do litoral sul do país.
De lá, rumaram à Nova Zelândia, exploraram a Tailândia e preparavam-se para adentrar a conturbada Mianmar.
A família acumula memórias de viagem. Certa vez, no Peru, após percorrerem uma larga extensão da costa sul totalmente desabitada, encontraram um pescador solitário. "Parecia louco", recorda Olga.
Perguntaram se podiam acampar ao lado de seu casebre de madeira. O homem, um tanto desconfiado, aceitou. Algumas horas depois, nos fundos da casa, acharam uma cesta repleta de crânios humanos. "Não tivemos coragem de perguntar o que era aquilo."
No interior da Guiné, na África Ocidental, em uma das extremidades de uma antiga ponte, toparam com um sujeito armado de uma espingarda, guardando uma enorme máquina enferrujada. Uma companhia que se instalara na região o contratara anos antes para vigiar o equipamento desativado.
Ao final do dia, o homem voltava para casa, deixando a máquina desprotegida. "Não fazia sentido algum. Devia ser mais caro mandar trazer de volta aquele motor quebrado do que pagar US$ 30 (R$ 70) mensais ao pobre homem por tanto tempo", diverte-se Olga.

Blog abandonado

Crhistian, Olga e Naila (foto: arquivo pessoal)
Família coleciona histórias curiosas em vários dos países pelos quais passou
Logo no início da viagem, tentaram manter um blog com seus relatos, mas por conta da baixa velocidade da conexão à internet em alguns países, acabaram desistindo. "Não queríamos esse tipo de rotina", dizem. "Enviar um e-mail às vezes levava 20 minutos".
O Brasil foi um destino recorrente do casal. Das Guianas desceram o litoral do Nordeste até Salvador. Pedalar na areia custava um pouco, mas a paisagem compensava. O ritmo das pedaladas, contudo, dependia mais do nível do mar do que da firmeza do solo arenoso.
"Precisávamos aguardar as marés baixas para atravessar os rios que desaguavam no mar", lembra Christian.
Certa vez, para cruzar o delta de um rio, aceitaram a ajuda de um homem que se prontificou a levar à outra margem as bicicletas e o equipamento a bordo de uma canoa.
Foi apenas depois, quando tinham as pernas mergulhadas na lama até os joelhos, que se deram conta de que haviam deixado documentos e todo o dinheiro que possuíam com o desconhecido. "Viajar muitas vezes nos obriga a confiar nas pessoas. É algo muito positivo", reflete Christian. Ao chegarem à outra margem, o barqueiro os aguardava.


Diversidade

A jornada se aproxima de um fim, ao menos por enquanto. Em julho deste ano, o casal regressa à pequena cidade de Friburgo, Alemanha, onde Christian retomará seu trabalho como professor de matemática.
"Estamos receosos. Será difícil enfrentar a rotina", resigna-se Christian.
"As prioridades de quase todos os que conhecemos por lá são o trabalho, a estabilidade e a segurança. Qualquer estilo de vida diferente do deles é visto com ceticismo, como se estilos distintos não pudessem conviver", comenta Olga, que também se prepara para ouvir críticas acerca dos cuidados e da criação da filha.
Os dois estão certos, contudo, de que a experiência foi a melhor educação possível para Naila. "Ela poderá não se lembrar do que viveu, mas, sem dúvida, se sentirá em casa quando estiver em meio à diversidade", conclui Christian
Vi aqui.

domingo, 9 de novembro de 2014

A Dor do Parto


"...com dor darás à luz filhos..."
Gênesis 3:16

Eis a grande companheira do homem que o acompanha do nascimento à morte em seus planos físico, mental e espiritual: a dor.

Fisicamente ela funciona como um alarme avisando que algo não vai bem e permitindo que busquemos meios de restabelecer a saúde de nosso corpo. Ela garante dessa forma a nossa sobrevivência.

No plano mental é uma espécie de termômetro na medida em que nos possibilita reconhecer o seu oposto: a dor nos faz reconhecer o prazer na não-dor da mesma forma que os momentos de tristeza nos permitem reconhecer a felicidade na não-tristeza.

O campo espiritual vai além. Ele nos impele a estabelecermos uma relação ainda mais profunda com ela. O processo de crescimento espiritual envolve reconhecer o prazer não apenas na ausência da dor, mas ao contrário, encontrá-lo em meio à própria dor. Nas culturas orientais é difundida a idéia de aceitação do sofrimento e controle das emoções diante da crise. O cristianismo da mesma forma nos mostra que é na dor que se manifesta a graça divina. Na cruz fomos redimidos. Crucificação e Salvação. Sacrifício e Misericórdia. A dor nos faz crescer. Na dor estreitamos laços e reconhecemos elos verdadeiros.

O que dizer então sobre a dor do parto? Penso que se ela fosse de fato ruim, a seleção natural já teria se encarregado de extingui-la do processo. Mas, ao contrário, ela permanece ao longo da evolução, e permanece porque há razões para isso. O parto representa um momento de duplo nascimento: nasce não só o bebê, mas renasce também a mulher como mãe daquele novo ser. Ainda que se tenha vários filhos, a experiência materna será vivenciada de forma diferente com cada um deles. A dor acontece para que ocorra a transformação, para aguçar os instintos, para gravar na carne da mãe o vínculo que ali se estabelece por toda a eternidade. Se em vez de lutar contra a própria dor, a mulher se permite entrar nela, se vê em meio a uma distorção de tempo e espaço que a possibilita viver intensamente aquele momento.

Lembro do dia que a minha filha nasceu em pequenos flashes. Estava na minha casa cercada de pessoas queridas. Eu sentia a presença delas, mas não distinguia muito bem a ordem dos acontecimentos. Via as coisas acontecendo à minha volta, mas era como se de alguma forma eu não estivesse ali. Parecia ter sido levada para outra dimensão. Eu me percebia só, mas não sentia solidão. Estava acompanhada da minha experiência e da minha dor. Eu e o divino, eu e o milagre. E tinha ela, aquela pessoa tão amada e esperada. Ela lutava sem saber com o quê. Eu queria que ela saísse, ela talvez quisesse ficar. E nesse momento éramos só eu e Maya. Seus medos eram meus.

Talvez esse texto tenha deixado você ainda mais assustada. Desculpa. Não era mesmo a minha intenção. Mas acho também que o medo faz parte desse processo. Coragem não significa não ter medo, mas vencê-lo. Sinta o seu medo, mas não se deixe tomar por ele. A dor faz parte sim do parto, mas ela não É o parto, não o define. Essa experiência pode ser muito maior que isso se você simplesmente se entregar. Encare as contrações como ondas que te levarão ao Paraíso onde você irá padecer nos próximos anos. A dor e a delícia do parto serão apenas o primeiros.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

8 Práticas Inovadoras em Educação

Para proporcionar um desenvolvimento verdadeiramente pleno à cria é preciso pensar fora da caixinha.

Acreditando que essa quebra de paradigma é possível e depende da gente para acontecer, compartilho hoje um documentário excelente sobre formas alternativas de educação:

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Criação de filhos e emancipação: o que suas escolhas têm a ver com isso?



Segue abaixo texto da Ligia Moreira Sena sobre educação. Agradeço à minha querida amiga Luciana Chaves por tê-lo compartilhado comigo. Como ela disse pra mim, é de abalar as estruturas. Dá uma olhada:



Eu era uma partidária daquele discurso que diz que criar crianças com amor, presença, empatia e consciência crítica é a chave mestra para mudar o futuro, para termos sociedades mais conscientes, mais atuantes social e politicamente, para promover a mudança de paradigma tão desejada, necessária e urgente.

Não penso mais assim. 

Não acho mais que, destinando mais atenção, problematização e questionamento à criação das nossas crianças – filhos/filhas ou alunos/alunas – teremos um mundo melhor no futuro

Não é isso que tenho visto. Não é isso o que tenho observado. 

E como não estou no futuro, não posso dizer que isso de fato não vá acontecer lá, no porvir – e me faltam tempos verbais adequados. Estou no presente. E o que tenho visto, ainda que isso pareça a alguns como um devaneio simplório, é a mudança agora, já, no presente

No aqui e no agora. 

Uma mudança dura, difícil, geradora de angústias, de ainda mais angústias, de dúvidas, de ainda mais dúvidas. 

E esse sentimento frequentemente presente de que “está muito difícil criar filhas e filhos” é também o que me dá essa sensação de mudança do presente. Porque para muitos, criar filhas e filhos é coisa muito simples e muito fácil. É colocar no mundo, alimentar, vestir, escolarizar e deu. Tá no mundo, é do mundo. E esse negócio de teorizar, refletir, problematizar é coisa de desocupado, de quem tá com a vida ganha, e eu tenho mais o que fazer, porque os meninos vão crescer de qualquer jeito, comigo ou na rua. 

Então, se para tantos “está muito difícil criar filhas e filhos”... Opa, que bom! Se para tantos há dúvidas infindáveis sobre alimentação, educação, limites, permissividade, autoritarismo, qualidade do vínculo, qualidade do lazer, qualidade do tempo que se passa junto, opa! Coisa boa! Há problematização nesse caminho.
A facilidade esconde o inimigo. A facilidade é a mãe da mercantilização. Madrinha dos valores de consumo. Tia-avó da artificialização da vida. Genitora da coisificação do mundo. E das pessoas.

A forma como muitas pessoas estão criando seus filhos, fazendo escolhas contra-hegemônicas, desafiando o conceito mercadológico de vida atual, desacelerando, readequando, ou ressignificando o tempo que têm com seus filhos e filhas, fazendo escolhas não muito comuns, não muito convencionais, não muito divulgadas, não apoiadas pela indústria cultural, tem me mostrado que não será preciso aguardar o enrugar do meu rosto ou a chegada do platinado dos cabelos para ver a mudança. Ainda que seja no infinito ao meu redor, ou na imensidão dos contatos virtuais, estou vendo a mudança

Estou vendo a não aceitação daquilo que nos oprimia – e que oprime ainda. A recusa do pensamento colonizador. A fúria contra o pensamento abissal. A quebra dos limites geográficos entre opressores e oprimidos. Estou vendo mulheres que se empoderaram enormemente por terem se tornado mães. Estou vendo homens operando, ainda que em pequeno grau, a revolução do homem - e não do macho. Estou vendo a diversidade sexual ganhar todos os espaços. E a resistência a isso ser quebrada com muito bom argumento, com muito bom enfrentamento. Estou vendo a educação ser problematizada, as salas de aula serem questionadas, grupos organizados enfrentando grandes corporações contra a manipulação das crianças como peças no jogo feroz e injusto do consumo, industriais e licenciadores de suas marcas apelando a argumentos débeis por falta de verdadeira problematização. Estou vendo o solidário vencer o competitivo. O artesanal botar medo no industrial. O que tinha medos infinitos, lutar contra todos eles. O bullying ser problematizado e orientar ações de arte. A violência tornar-se explícita em função do violentado sentir-se forte para soltar a sua voz. O doméstico conquistar espaço que antes era do corporativo.

Sim. Acho que estamos em um novo tempo. E acho que grande parte das dificuldades que tantos têm afirmado viver nos tempos atuais é fruto da crise que acompanha toda revolução de sociedades. Nenhuma sociedade pode mudar seus valores sem superar crises ou pontos de inflexão – ou de mutação...

Credito isso a uma maior consciência geral. A um esforço coletivo de problematização e enfrentamento.

E, também, às escolhas que muitos de nós têm feito inspirados pelo fato nada simples de: criar novos seres humanos.

Quais são os eventos capazes de mudar profundamente nossos valores e nossas vidas? A morte de alguém muito amado. A notícia de uma doença grave. A cura dessa doença. Uma perda importante. E um nascimento.

Nascimentos mudam gente. Todos os dias. E embora não mude a todos, muda muitos. E têm mudado cada vez mais. O avanço da luta pela humanização da saúde, especialmente da humanização do nascimento, tem ajudado a impulsionar uma grande transformação de valores. De valores que ajudam a tornear talvez a mais importante transformação individual e coletiva: a transformação EMANCIPATÓRIA.

Emancipar é tornar livre. É tornar independente.

Especialmente, tornar-se livre e independente dos valores esmagadores do consumo, da tecnocratização do cuidado, da coisificação da vida e do ser, da maquinização do viver, da patologização do normal, da medicalização dos afetos, da normalização da vida, da padronização da mulher e do homem.

Emancipar é um conceito que abraça o filosófico, as questões de gênero e a dimensão política. Mas que em última análise traz consigo um grande valor: ser livre. Libertar-se.

Muitos educadores de mentalidade simplista chamam a educação de ato verdadeiramente emancipatório. Não é

Educar não é obrigatória ou necessariamente emancipar. Deveria ser. Mas não tem sido.
A educação baseada em normas, padrões e exclusão que temos hoje não é emancipatória. É doutrinária. É baseada em moldes. E serve a um fim muito claro: manter a roda do consumo girando, manter em movimento a engrenagem mercantil, substituindo o sentir pelo comprar, o acolher pelo excluir, o cooperar pelo competir, o pleno desenvolvimento humano pela meritocracia. A escola com mais alunos no ranking da federal. A escola com mais atividades extracurriculares, de forma que você só veja seu bebê de 2 anos durante 4 horas por dia. A escola trilíngue que desenvolve o córtex pré-frontal do bebê.

Educação emancipatória é crítica. É problematizadora. É desconfortável. Produz angústia. Sentimento de inadequação. Desencantamento do mundo. Gera perguntas. Mais do que respostas... Confronta. Revolta. E é tudo isso que impulsiona o ser à mudança. Sua também. Mas principalmente coletiva. É desse sentimento de inadequação e estranhamento que brota o engajamento social, o sentimento solidário, a noção de pertencimento ao coletivo. Deixamos de ser EU. Tornamo-nos NÓS. Não lutamos mais pela MINHA causa. Mas pela NOSSA. Ainda que os sujeitos contemplados no “nosso” ainda sejam  isso, sujeitos, e não pessoas já despertas.

Faz parte ser criticado. Faz parte querer desistir. Faz parte ser alvo. Faz parte. A resistência é feroz. E esse enfrentamento é a cereja do bolo da emancipação.

Não há emancipação individual. Ela só é real e verdadeira em seu elemento coletivo. Um que saia da média, da mediana, é apenas desvio padrão, diluído, anulado – por vezes retirado por sorteio... Mas muitos promovendo novos valores, novos números, são capazes de alterar os valores de centro da curva. 
Pessoas que se enquadram cegamente no coletivo fazem de si mesmas meros objetos materiais, anulando-se como sujeitos dotados de motivação própria. Inclui-se aí a postura de tratar os outros como massa amorfa. Uma democracia não deve apenas funcionar, mas sobretudo trabalhar o seu conceito, e para isso exige pessoas emancipadas. Só é possível imaginar a verdadeira democracia como uma sociedade de emancipados”

Essa frase, de autoria de Theodor Adorno, filósofo alemão que, junto com Max Horkheimer, é autor da Dialética do Esclarecimento e criador do conceito de “indústria cultural”, diz tudo o que penso sobre a fundamental importância do papel crítico e contestatório que devemos ter enquanto mães, pais e cuidadores.

Não é possível que nos enquadremos cegamente no coletivo sem que comprometamos nossa própria autonomia – e a autonomia de nossos filhos.

Não é possível que aceitemos ser objetos materiais, manipulados por uma indústria e uma mídia inescrupulosa, sem comprometer a emancipação coletiva.

Não somos massa amorfa.

Somos agente de mudança.

De mudança dupla: porque somos seres dotados de razão e potência e porque geramos seres dotados de ainda mais potência, impulsionada por nossa própria.

Ainda chamando Adorno, esse grande filósofo, à conversa – que entrou em minha vida apenas agora, com 36 anos, nas disciplinas de teoria crítica que cursei neste segundo doutorado e que tanta contribuição tem oferecido ao meu desenvolvimento pessoal e à criação de minha filha – a primeira infância não é apenas um momento de passagem para a maturidade. Não. Adorno afirma que é neste período de tenra idade que o ser sofre grande pressão para a constituição de seu caráter.

Assim, que influência têm sobre a formação de uma criança as escolhas que você, como mãe, pai e cuidador, faz? Qual a sua responsabilidade, como ser detentor do poder de escolha daquilo que outro ser irá viver, sobre a formação social, política, emocional e emancipatória das nossas crianças? A falta de reflexão crítica sobre as escolhas que você faz não estaria contribuindo para a coisificação das crianças sob seus cuidados? Inserir as crianças no mundo dos iguais, da norma, dos que não contestam, dos que aceitam, dos que se subjugam e caminham em silêncio tal qual rebanho, não as tornaria iguais a coisas? E, assim coisificadas, não passariam a ver seus semelhantes também como coisas? Segundo Adorno, sim. 

No começo as pessoas deste tipo se tornam por assim dizer iguais a coisas. Em seguida, na medida em que o conseguem, tornam os outros iguais a coisas”. (Adorno)

Quando você aceita o artificial, o mecânico, o industrial, o mercantil, como desejável, o que é que você está fazendo, com você, com seus filhos, com a sociedade? Quando você sobrepõe os valores de consumo aos valores humanistas, o que é que você está fazendo? Você desenvolve uma consciência coisificada. Substitui a reflexão pela idolatria. A objetos, a técnicas, a procedimentos, à industrialização.


É por isso que é muito mais fácil aceitar o artificial ao natural. O cheio de corantes e flavorizantes ao puro. A técnica invasiva ao procedimento integrativo. O complemento ao leite produzido pelo peito. Os objetos às ideias. O centro cirúrgico à sala de parto. A escola com ênfase no currículo à escola com ênfase no humano. A língua inglesa à educação emocional. O brinquedo com sirene aos pés de lata. A televisão ao ralado no joelho. A bala sabor melão-tangerina à ameixa apanhada do pé. O shopping ao parque. O remédio à participação ativa. A técnica de adestramento do sono ao colo-cantiga-embalo. O tomate que brilha ao tomate tortinho com pintinhas pretas. O tablet ao giz de cera. O embalador que balança automaticamente ao colo dançado. E tantos, tantos, tantos outros exemplos que passam batido por nós, no automático da vida, e que refletem o fetichismo da técnica – expressão de Adorno. 

Sabe o que essas escolhas refletem e promovem, de acordo com esse tão sábio filósofo?

Uma total incapacidade de amar...

Incapacidade de amar nossa própria condição. Incapacidade de nos amarmos enquanto humanos. Não mecânicos, não técnicos. Humanos, demasiado humanos - outro filósofo...

É também por isso que essa sociedade doente passou a não aceitar mais as tristezas. Tão comuns, tão humanas. É por isso que essa sociedade doente não acolhe mais, e condena tantos e tantas à morte solitária, muitas vezes auto-induzida. É por isso que essa sociedade doente medica a expressão criativa das crianças. Porque, se não funcionamos tal e qual as máquinas alvos de nossos fetiches, então estamos com defeito. E é preciso consertar...

Não acolher. Não entender. Não ser solidário.

Apenas consertar.

Então, por fim, pergunto: quanto há de emancipatório em nossas escolhas? Quanto há de emancipatório em nossos valores? Quanto há de emancipatório na vida que levamos? Não nessa vida ensaiada e embelezada pelas redes sociais, cujo desenrolar acontece em esquetes tornados vivos mediante um botão de “publicar”. Mas a vida que levamos dentro de nossas casas, nossos quartos, nossos pensamentos, nossas ações, nossa práxis.

Quanto há de emancipatório nisso?

Quanto há de emancipatório nos valores e práticas que ensinamos aos nossos filhos e filhas?

Quanto?

Há?


Vi aqui.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014