quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Agenda Lotada - Você obstrui a infância do seu filho?


Quando eu estava grávida uma colega de trabalho me disse que eu precisava escutar Mozart durante toda a gestação para que a Maya já nascesse inteligente. Coitada de você, minha filha, nem tinha nascido ainda e já queriam te transformar em gênio. Nada contra música clássica na gravidez. Eu mesma cheguei a ouvir para acalmar e relaxar a nós duas. Mas não para estimular a inteligência do meu bebê. Eu lá sei se a Maya quer ser gênio? Talvez ela queira ser só uma criança mesmo.
Mas entendo essa colega por pensar assim. No mundo competitivo em que a gente vive hoje, nem bem nascem, as crianças já começam a ser preparadas para o mercado de trabalho como se toda a vida se resumisse a isso. Na tentativa de garantir-lhes um futuro promissor, os pais expõe os filhos aos mais variados estímulos lançando sobre eles responsabilidade de gente grande. O resultado: crianças com agendas mais lotadas que a minha e sem tempo para serem simplesmente crianças. Sem tempo para descobrirem quem realmente são e pensarem de forma autônoma. Elas apenas executam o que lhes foi imposto tentando atender às expectativas (quase sempre altíssimas) dos pais.


Autor da teoria da Inteligência Multifocal, Augusto Cury escreveu no seu livro "Pais Brilhantes, Professores Fascinantes" sobre o perigo da obstrução da infância pelos pais. Para ele a criatividade, a felicidade, a ousadia e a segurança do adulto dependem das matrizes da memória e da energia emocional da criança que ele foi e para que elas se desenvolvam, é necessário que a criança tenha tempo para inventar,  frustrar-se, brincar e se encantar com a vida. Retirar isso da criança é aumentar a probabilidade de torná-la um adulto menos criativo, apático, desinteressado e sem iniciativa. A nossa sociedade obcecada pela perfeição exige que sejamos super. Mas veja os adultos que ela tem produzido: atormentados por depressão, síndrome do pânico, TOC e mais outro tanto de doenças daquelas que mertiolate não cura e band-aid não sara.
E não é só na vida adulta que o seu filho vai sentir os reflexos da pressão exercida sobre ele. Para sua tese de mestrado, a psicóloga e pedagoga da USP Clarice Kunsch entrevistou crianças de 5 a 7 anos além de seus pais e professores e observou que as mais sobrecarregadas, quando dispõem de um tempo livre sem orientação de outra pessoa, não sabem o que fazer e são tomadas pelo tédio. O excesso de estímulos pode ainda gerar ansiedade e atrapalhar no desempenho acadêmico, já que o cérebro precisa de tempo para processar as informações. Além do que, pular de um compromisso para o outro só deixará a criança cansada e sem foco, não sendo a ela permitido que se aprofunde em nenhuma área.
Não estou aqui condenando as atividades extracurriculares. Amante do esporte, sei o quanto ele contribui para o desenvolvimento psicomotor da criança e para a formação de seu caráter ao ensinar valores como liderança, cooperação, respeito ao adversário e superação de limites. Igualmente importante é o aprendizado de uma segunda língua, não só por ser hoje praticamente pré-requisito para o sucesso profissional, mas principalmente porque permite ao seu conhecedor ampliar os horizontes e ter uma melhor compreensão do mundo cada dia mais globalizado. E assim eu poderia continuar citando os inúmeros benefícios da aula de violão, computação, teatro, robótica, e cada uma das outras. Mas a questão é: será que o seu filho precisa mesmo fazer todas elas de uma vez só? Será que o excesso de compromissos não pode acabar sufocando a capacidade dele de descobrir instintivamente os seus próprios dons?
Precisamos ter em mente é que a infância não é apenas um estágio preparatório para a vida adulta. Segundo o educador Miguel Gonzalez Arroyo, cada idade não está em função de outra idade. Cada idade tem em si mesma identidade própria, que exige uma educação própria, uma realização própria enquanto idade e não enquanto preparo para uma outra idade. Cada fase da idade tem que ser vivida na totalidade dela mesma e não ser submetida a futuras vivências.  Entendo, dessa forma, que assim como o desenvolvimento não deve ser impedido, com a mesma ênfase, ele não deve ser forçado. Nessa medida, os compromissos e a formação intelectual devem ser dosados com as necessidades de brincar e criar livremente. A infância é a fase do sonho e da abstração. A criança precisa de tempo para fantasiar e se transportar praquele universozinho paralelo que só ela conhece. O ócio estimula a mente e coloca a máquina da imaginação em movimento. A magia acontece. E ela não dura vai durar para sempre. O seu filho vai ter a vida inteira para lotar a agenda com reuniões, cursos e eventos sociais. Mas criança, ele só vai ser uma vez e por menos tempo do que você gostaria.
Portanto, ouça e observe a sua cria ciente de que ela não é um projeto que pode ser moldado como uma obra de arte, mas alguém que se desenvolverá bem desde que tenha espaço para ser protagonista da própria história. Respeite o ritmo do seu filho e permita que ele faça escolhas. Defina prioridades focando o presente e acredite que fazendo isso, o futuro será naturalmente melhor para aquele que você mais ama.