sábado, 23 de agosto de 2014

Uma Professora Brasileira na Escola Mais Verde do Mundo

Entrevista do Rescola com Janaína Ricci - uma professora brasileira que leciona há um ano na Green School, em Bali, na Indosésia:

RESCOLA: Olá, Janaína. Gostaria de começar perguntando como você ouviu falar da Green School. O que te levou a querer atravessar o mundo para fazer parte dela?
JANAÍNA RICCI: Em dezembro de 2012, comecei a pesquisar organizações, escolas, instituições e projetos ao redor do mundo que tivessem visões educacionais alternativas. Minha ideia era tirar um ano sabático em que pudesse combinar duas paixões: Educação e Viagens. Fiz diversos contatos através de amigos e também de uma rede internacional de viajantes e acabei traçando um plano que se iniciaria em dezembro de 2013. Eu já estava em contato com algumas instituições na América do Sul e America Central, uma em Chicago, nos EUA, duas na África e uma em Myanmar, além de um contato na Suécia e outro na Rússia. Foi quando uma amiga compartilhou um vídeo sobre a Green School, no Facebook. Entrei no website e achei íncrivel, me arrepiei… apaixonei mesmo… aí pensei, vou incluir a Green School na minha viagem/projeto. Navegando no site, descobri que havia uma vaga exatamente para o que eu fazia: Professora de Pré-Escola. Mandei meu currículo dois dias antes do prazo final, fiz diversas entrevistas pelo Skype e fui escolhida.

RESCOLA: O que você leciona? Como é sua turma?
JANAÍNA RICCI: Sou professora de educação infantil (4 a 5 anos). Não tenho nenhum professor especialista, a não ser a professora balinesa que trabalha comigo. Dou aulas de artes, música, educação física, yoga, além dos projetos/unidades temáticas. Minha turma é íncrivel! Tenho alunos de diversas nacionalidades diferentes: Indonésia, França, Itália, Espanha, Portugal, EUA, Alemanha, Rússia, Austrália, Inglaterra… Essa diversade é maravilhosa e tiramos proveito dela para criar projetos e brincadeiras que promovem o respeito pelas diferenças e também o orgulho de ser quem você é.

RESCOLA: Como é o seu dia-a-dia na escola?
JANAÍNA RICCI: Bacana você perguntar isso. Eu recebo várias mensagens de pessoas dizendo: “Nossa, seu trabalho é um sonho, dava tudo para estar aí, trabalharia de graça”, etc, etc, etc. Sim, a Green School é incrivel, mas é um trabalho puxado. Muito puxado, eu diria. Saio de casa às 7h da manhã e dirijo minha moto por 25 ou 30 minutos, faça chuva ou faça sol, até chegar na escola. Temos reuniões antes das aulas algumas vezes por semana e então vou para a sala. Ajudo minha assistente a preparar a sala de aula, e as crianças vão chegando a partir das 8h. As crianças podem brincar livremente até às 8h45, quando guardamos os brinquedos e fazemos a roda da manhã. Trabalhamos as unidades temáticas no primeiro momento da manhã, então das 10h as 11h eles tomam lanche e podem brincar no parquinho. As 11h, eles têm aula de língua e cultura indonésia. Das 11h30 até às 12h, trabalhamos habilidades especificas, como matemática, coordenação motora, linguagem e assim por diante. Dentro de nossa grade, temos também visitas semanais à biblioteca, aulas de yoga, educação fisica, green studies e meditação, todas lecionadas por mim e por minha equipe. Das 12h às 13h15, as crianças almoçam e brincam novamente no parquinho. Nós professoras somos responsáveis por dar o almoço e supervisionar o parque. Às 13h15 as crianças entram, se arrumam e aí temos o momento da história e do descanso. Algumas crianças dormem, outras não. Essa transição dura cerca de 45 minutos. As que não dormem podem escolher uma dentre diversas atividades tranquilas até a hora de ir embora, às 15h. Eu fico até as 16h na escola, às vezes até as 16h30, quando temos reunião ou alguma atividade extra. E também faço aulas de música e bahasa indonesia depois das aulas.

RESCOLA: A primeira coisa que chama atenção na Green School é a impressionante arquitetura de bambus, mas a metodologia da escola também é bastante inovadora e peculiar. Você pode falar um pouco sobre ela? O que são os Frames, por exemplo?
JANAÍNA RICCI: Os frames nada mais são do que a maneira como o dia-a-dia na escola é dividido. Os três frames são: Integral, Instrutivo e Empírico. O frame Integral é o momento em que trabalhamos as unidades temáticas. Nestas aulas, as crianças são incentivadas a usar o máximo de criatividade, desenvolver habilidades de pensamento e habilidades de aprendizagem colaborativa. O frame Instrutivo é quando trabalhamos as habilidades específicas, como expliquei anteriormente. Neste momento, o processo ensino/aprendizagem é visível. Ou seja, o professor e o aluno sabem claramente o que estão aprendendo, como e porque. O frame Empírico são as aulas práticas. Ou seja, educação ambiental, educação fisica, artes, teatro e empreendorismo. Nas séries iniciais, as crianças ganham recursos e ampliam seu repertório através de aulas práticas com professores especialistas. Na segunda metade do ensino fundamental, eles visitam áreas de trabalho especificas para ganhar experiência. E no ensino médio, são encorajados a fazer contribuições reais para um mundo melhor.

RESCOLA: Os valores da Green School são resumidos na sigla “iRespect”, certo? O que ela significa?
JANAÍNA RICCI: Integrity, Responsibility, Empathy, Sustainability, Peace, Equality, Community, Trust. Ou seja: Integridade, Responsabilidade, Empatia, Sustentabilidade, Paz, Igualdade, Comunidade e Confiança.

RESCOLA: Quando pensamos em escolas, normalmente pensamos em algo “local”, que atende quase que exclusivamente o público da comunidade em que ela está inserida. A Green School, diferentemente, se caracteriza por atrair alunos e professores de todas as partes do mundo, o que a torna uma “Escola Global”. Quais as consequências práticas disso no cotidiano da escola?
JANAÍNA RICCI: A consequência mais clara para mim é que o diferente passa a ser algo natural e não algo a se temer. As crianças conhecem outras culturas na prática e não baseadas em estereótipos criados pela midia. Eu mesma mudei muito depois que passei a viajar e a hospedar pessoas de graça na minha casa como uma forma de intercâmbio cultural. Acredito que um dos grandes males da nossa sociedade é não saber lidar com o diferente. Somos ensinados a amar nossos semelhantes, mas a maior parte do mundo é diferente de nós. E aí? O fato de termos professores do mundo todo – e este ano vamos ganhar mais dois professores de nacionalidades diferentes – faz com que acabemos trazendo um pouco da nossa cultura pra escola. No meu caso, trabalhei lendas brasileiras na unidade temática de contos de fadas e diversas brincadeiras de rua nas aulas de educação física. Quer coisa mais linda que ver um alemãozinho de cinco anos, cantando “Tango Tango Morena”, uma semana depois de ter chegado na escola? E todos os meus alunos cantam Escravos de Jó [risos].
Vi aqui.

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