Recentemente a rede de brinquedos européia Top-Toy divulgou em seu catálogo promocional fotos em que meninos e meninas aparecem brincando com as mesmas coisas. Além de eliminar a distinção de brinquedos de sua publicidade, a empresa retirou também de suas lojas físicas, a separação de sessões masculinas e femininas. Em nome da defesa dos valores morais e da família, dezenas de pais se revoltaram com a atitude da Top-Toy, classificando-a como uma tentativa de engenharia social proveniente da ditadura da homofobia. Um dos argumentos defendidos por esse grupo é a negação da influência dos padrões sociais nas condutas classificadas como femininas ou masculinas. Segundo eles, não é a cultura que determina as brincadeiras de meninos e meninas, mas a diferença natural entre os sexos. Inverter os papéis, nesse caso, resultaria fatalmente numa sociedade homosexual.
Eu não pretendo aqui discutir o preconceito relacionado às diferentes opções sexuais - se é que podemos chamá-las de opções - nem suas consequências para a vida social. Quero apenas explicar porque acho que uma coisa não tem nada a ver com a outra. E para isso, vou retomar aquela crise existencial milenar da humaninade: a relação instinto x cultura. Essa relação é o argumento que nós, seres humanos, temos usado há muitos anos para, do alto do nosso pedestal, definirmos a nós mesmo como a mais complexa espécie já conhecida. Mas por mais magníficos que sejamos, e por mais avançados que estejamos em nossa ciência, ainda não nos tornamos capazes de determinar muito bem o quanto de nós é homos e o quanto de nós é sapiens. A biologia nos diz que machos e fêmeas são naturalmente diferentes, não só nos aspectos físicos, mas também nos psicológicos e emocionais. Mas a genética nos diz também que cada macho é diferente de outro macho, e que cada fêmea é diferente de outra fêmea. Como então determinar com CERTEZA o que é de homem e o que é de mulher? Como saber o que de fato é inerente a cada gênero se pessoas do mesmo sexo podem apresentar características e comportamentos completamente distintos?
As cores são um bom exemplo de como os padrões sociais determinam algumas de nossas condutas. Por ser uma cor mais forte, o rosa Pink era associado ao sexo masculino até 1920, enquanto o azul, mais delicado, era visto como uma cor feminina. De repente, para agitar as vendas, o mercado de roupas passou a sugerir azul para eles e rosa para elas. E passamos a aceitar com tanta verdade as novas regras impostas pelo marketing, que há quem diga hoje que vestir meninos de rosa poderá transforma-los em homossexuais. Será que com os brinquedos é assim também? Eles seriam, como as cores, determinados apenas pela cultura?
Alguns psicólogos afirmam que não. Meninos, segundo eles, são naturalmente mais agressivos e competitivos, preferindo brincadeiras de luta ou jogos esportivos. Menos ativas, as meninas prefeririam brincar com bonecas para alimentar o seu instinto maternal. Mas sabemos que embora existam determinados padrões de comportamento, cada ser é único com vontades e características próprias. E eu não consigo acreditar que a sexualidade de um adulto possa ser mais influenciada pela liberdade concedida a ele, enquanto criança, na escolha de seus brinquedos do que pela sua repressão. Não se trata de OBRIGAR crianças a brincar com coisas diferentes, mas de RESPEITAR as suas preferências sem transferir-lhes os nossos preconceitos e tabus.
Não estou aqui levantando a bandeira da igualdade entre os sexos. Confesso que defendia com mais vigor essa causa antes da Maya chegar na minha vida. As transformações por que passaram o meu corpo, o milagre acontecido dentro de mim, e todas as loucuras da maternidade me inspiraram uma profunda admiração pela figura feminina. Fui percebendo aos poucos que a nossa força vem de um lugar diferente e o meu lado queimador de soutian foi obrigado a abaixar um pouco a crista. Continuo acreditando que devemos lutar por direitos iguais, mas não para sermos iguais. Exigir isso é dizer indiretamente que ser homem é melhor. É o que nos impõe essa sociedade machista, em que o bom é ser frio, racional, “duro” e viril. Associadas à fraqueza, a sensibilidade e a emotividade femininas parecem não caber mesmo nesse mundo competitivo. Que não caibam então. Que mude o mundo. Nao somos nós que temos que mudar. A nossa beleza é justamente essa. Está na suavidade do movimento, na flexibilidade das curvas - que não precisam ser transformadas em músculos rígidos - e na instabilidade inerente aos seres cíclicos que somos.
Somos dois mundos diferentes sim. Talvez tão distantes quanto Marte e Vênus. Mas essa diferença não e tão simples e palpável como possa parecer. A sexualidade humana é um assunto profundo que envolve autoconhecimento e conexão com o corpo e com os instintos. Como pais, devemos nos preparar para orientar os nossos pequenos sobre essas questões quando deles partirem as primeiras perguntas. Mas isso pode dar trabalho demais. E trabalho é o que muita gente não quer. Parece muito mais fácil dar uma boneca pra menina, um carrinho pro menino, e torcer para que eles não misturem as coisas. Parece mais fácil. Mas considerando o nosso contexto atual, será que isso basta?
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