domingo, 9 de novembro de 2014

A Dor do Parto


"...com dor darás à luz filhos..."
Gênesis 3:16

Eis a grande companheira do homem que o acompanha do nascimento à morte em seus planos físico, mental e espiritual: a dor.

Fisicamente ela funciona como um alarme avisando que algo não vai bem e permitindo que busquemos meios de restabelecer a saúde de nosso corpo. Ela garante dessa forma a nossa sobrevivência.

No plano mental é uma espécie de termômetro na medida em que nos possibilita reconhecer o seu oposto: a dor nos faz reconhecer o prazer na não-dor da mesma forma que os momentos de tristeza nos permitem reconhecer a felicidade na não-tristeza.

O campo espiritual vai além. Ele nos impele a estabelecermos uma relação ainda mais profunda com ela. O processo de crescimento espiritual envolve reconhecer o prazer não apenas na ausência da dor, mas ao contrário, encontrá-lo em meio à própria dor. Nas culturas orientais é difundida a idéia de aceitação do sofrimento e controle das emoções diante da crise. O cristianismo da mesma forma nos mostra que é na dor que se manifesta a graça divina. Na cruz fomos redimidos. Crucificação e Salvação. Sacrifício e Misericórdia. A dor nos faz crescer. Na dor estreitamos laços e reconhecemos elos verdadeiros.

O que dizer então sobre a dor do parto? Penso que se ela fosse de fato ruim, a seleção natural já teria se encarregado de extingui-la do processo. Mas, ao contrário, ela permanece ao longo da evolução, e permanece porque há razões para isso. O parto representa um momento de duplo nascimento: nasce não só o bebê, mas renasce também a mulher como mãe daquele novo ser. Ainda que se tenha vários filhos, a experiência materna será vivenciada de forma diferente com cada um deles. A dor acontece para que ocorra a transformação, para aguçar os instintos, para gravar na carne da mãe o vínculo que ali se estabelece por toda a eternidade. Se em vez de lutar contra a própria dor, a mulher se permite entrar nela, se vê em meio a uma distorção de tempo e espaço que a possibilita viver intensamente aquele momento.

Lembro do dia que a minha filha nasceu em pequenos flashes. Estava na minha casa cercada de pessoas queridas. Eu sentia a presença delas, mas não distinguia muito bem a ordem dos acontecimentos. Via as coisas acontecendo à minha volta, mas era como se de alguma forma eu não estivesse ali. Parecia ter sido levada para outra dimensão. Eu me percebia só, mas não sentia solidão. Estava acompanhada da minha experiência e da minha dor. Eu e o divino, eu e o milagre. E tinha ela, aquela pessoa tão amada e esperada. Ela lutava sem saber com o quê. Eu queria que ela saísse, ela talvez quisesse ficar. E nesse momento éramos só eu e Maya. Seus medos eram meus.

Talvez esse texto tenha deixado você ainda mais assustada. Desculpa. Não era mesmo a minha intenção. Mas acho também que o medo faz parte desse processo. Coragem não significa não ter medo, mas vencê-lo. Sinta o seu medo, mas não se deixe tomar por ele. A dor faz parte sim do parto, mas ela não É o parto, não o define. Essa experiência pode ser muito maior que isso se você simplesmente se entregar. Encare as contrações como ondas que te levarão ao Paraíso onde você irá padecer nos próximos anos. A dor e a delícia do parto serão apenas o primeiros.

2 comentários:

  1. Respostas
    1. A sua presenca e o seu apoio incondicional foram fundamentais durante o processo mae! Obrigada por ter me entendido e participado junto comigo.

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